sexta-feira, 21 de maio de 2010

Hoje no almoço

Tempurá de Couve-Flor

Hoje me permiti uma extravagância: frituras...Conheces o Tempurá? (que nome elegante não?)Tempurá (em japonês てんぷら ou 天麩羅, tenpura) é um prato clássico da culinária japonesa. Consiste em pedaços fritos de vegetais ou mariscos envoltos numa massa de consistêcia mole, feita basicamente de farinha e água. A fritura é realizada em óleo muito quente, durante apenas cerca de dois ou três minutos. Quando realizei meu estágio num restaurante macrobiótico aqui em Beagá, fazíamos sempre o Tempurá utilizando a farinha de trigo integral, o que dava um sabor especial ao prato. E variávamos muito nos legumes: bardana, cenoura, cebola e chuchu (cortados em tirinhas bem finas), todos juntos (para passá-los na massa precisamos utilizar o hashi, aqueles "pauzinhos" com que se come comida japonesa, pois o corte em tirinhas dificulta um pouquinho). Outra maneira inusitada é o Tempurá feito com as folhas da cenoura, que são bem bonitas, parecem uma renda! MUITO BOM!

Mas hoje tinha cá na geladeira uma bela couve-flor a me olhar desafiadora, então...

Antes de passar a receita, algumas dicas preciosas sobre a Tempurá:

- Lembre-se, apesar de introduzido pelos portugueses, a receita é japonesa! Então, os legumes devem ser cortados todos no mesmo tamanho, de preferência à julianne, em tiras, não muito finas, nem muito grossas. Nada de passar no ralador!!!

- a água da massa tem que estar gelada de verdade. Isso faz com que a tempurá fique bem crocante.

- O óleo para a fritura tem que estar quente. Mas, cuidado para não esquentar muito, pois os bolinhos podem ficar queimados.

- Prepare os legumes primeiro e por último a massa. Não se preocupe se ela empelotar um pouco (só um pouco, não muito!)

- Como a massa é neutra dá para fazer com legumes, frutas, peixes, camarõe e até com sorvete!

Vamos à receita!



- 1/2 couve-flor cortada em raminhos fervidos em água e sal
- 1/2 colher de sopa de manjerona
- 1/2 colher de sopa de orégano
- 1/2 colher de sopa de páprica doce
- 2 colheres de sopa de gergelim
- 1 xícara de farinha de trigo
- 1/2 colher de sopa de fermento químico em pó
- 1 colher de chá de sal
- óleo para fritar
- água gelada


Cozinhar ligeiramente os raminhos de couve-flor e após escorrê-los, temperálos com manjerona, páprica, orégano e sal. Separadamente preparar em uma tigela uma mistura de farinha de trigo, água gelada, gergelim e sal. Colocar por último o fermento em pó. A massa deve ficar semelhante à de bolos. Aquecer bastante o óleo em uma frigideira grande ou em uma panela. Quando estiver bem quente, passar os raminhos pela massa e em seguida mergulhá-las no óleo. Virá-los com uma escumadeira para não correr o risco de furá-los. Assim que estiverem dourados, retirá-los e escorrê-los em papel toalha.
Manter a tigela da massa sempre com 2 ou 3 cubinhos de gelo dentro dela.
Servir os raminhos quentes e crocantes!


E vai aí mais uma dica vinda da macrobiótica: quando fizeres algum prato com frituras, convém acompanhar com nabo cru ralado, que é uma boa fonte de fibras solúveis e ajudam a controlar os níveis de colesterol no sangue. Além de ser um alimento leve e favorecer a digestão, o nabo tem qualidades aclamadas pela Tradicional Medicina Chinesa: é antipirético e tem ação desintoxicante. Sua presença no prato equilibra o cardápio e suaviza os efeitos nocivos das frituras.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Eu Acredito

por: Kalu Brum

Eu acredito em você, acredito na força do seu corpo, da sua natureza. Se você foi capaz de gestar, vencendo as raras estatisticas que fazem acontecer a vida humana, você tem plena capacidade de parir. Eu acredito em você e torço para que esqueça as dores dos outros, as experiências alheias, as referências de dores do mundo. Esqueça os diagnósticos médicos que tentam exaltar sua incapacidade.

Eu acredito em você e mais ainda que você deseja ardentemente o melhor para si e para seu bebê. Eu acredito que você espera que sua natureza trabalhe e que você sinta, como um corpo no oceano, que se aproxima de uma praia paradisíaca. A cada onda você se aproxima. E quando estiver mais perto do continente, a maré ficará mais forte. Simplesmente solte seu corpo e confie na força da natureza. Ela é você.

Ao invés de pensar no que pode falhar, não dar certo, do que está fora dos protocolos, pense no evento do nascimento como uma festa. Prepare uma deliciosa mala de comida, com aquilo que você quer eternizar em sua memória. Lembre que mesmo sem lucidez você lembrará do nascimento de seus filhos com uma riqueza de detalhes impressionantes.

Pense nas músicas que você quer ouvir durante sua viagem ao seu interior. Sim, vivenciar o parto é mergulhar dentro de si e nesta floresta escura e desconhecida, viver a mais fantástica aventura espiritual e humana. Escolha sua trilha sonora. Se você canta, ensaie para seu filho. Cantar ajuda a aliviar as tensões, a relaxar o assoalho pélvico e faz a dor ficar bem mais amena. Se seu marido toca viola, escolha canções para ele cantar para você. Façam um lindo dueto como o fizeram quando colocaram esta alma neste mundo.

Escolha um lugar que você se sinta bem para receber esta vida. E mais ainda, aonde você tem poder de negociar, de escolher o que comer, o que ouvir, onde sentar ou caminhar. Escolha, sobretudo, um lugar onde olhem para você não como uma bomba relógio a explodir a vida, mas como um corpo sagrado que é capaz de parir divinamente.

Escolha pessoas que acreditam em você, que acreditam em sua natureza de fêmea, de mulher, na força do feminino. Essas pessoas lhe darão fé para continuar, para lembrar a razão de suas escolhas. Escolha alguém para segurar em suas mãos, olhar nos seus olhos e dizer: Estamos quase lá, você está indo muito bem.

Escolha por um ambiente que seu filho seja tratado com amor, que possa ficar mais tempo possível com você e de preferência, que não se separem nem por um momento. Opte por um lugar que você pode negociar protocolos com a pediatria. Se informe sobre tudo possível e se precisar, peça ajuda para pessoas que já passaram pela experiência e conhecem de perto o modelo obstétrico e pediátrico.

Faça do momento de nascer uma celebração da vida, uma grande festa, com música, boa comida, boas lembranças e boas companhias. Não permita que um penetra estrague sua festa e roube sua cena. Tenha fé naquilo que trouxer mais luz e conforto ao seu coração, porque a fé cria uma possibilidade incrível de fazer as coisas darem certo. Não falo em fé religiosa somente, falo da fé em si mesma, na força da natureza, na certeza de que somos perfeitas para gestar e parir.

Lembre-se: nunca é tarde para mudar. Enquanto o bebê estiver aí na barriga há a chance de escrever um novo fim. Eu mudei com 37 semanas. Até no dia do nascimento mudar é possível. Prepare o nascimento como quem faz uma celebração. Eu acredito na força da vida e tenho certeza que você também.

Lindíssimo e inspirador texto, quase uma oração, escrito pela poeta, jornalista, doula e ativista Kalu Brum, do Blog Mamíferas...Fiquei imensamente lisonjeada, pois foi escrito em minha homenagem, após desabafar com ela meus fantasmas a respeito do meu imenso desejo de ter um parto normal, natural, humano...Obrigada anjo Kalu!

terça-feira, 18 de maio de 2010

Varal








As roupinhas da Isabel, carinhosamente lavadas pela vovó Alice.
O sol acolhedor, as cores em tons pastel...
Posso imaginar daqui o cheirinho gostoso de roupa limpinha de neném!
(E prometo em breve imagens da decoração do quartinho...)
Obrigada vovó!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Minha Walkerianazinha...



Uma flor só, uminha, filha única!

Mas quanta alegria me trouxe...a cor, o perfume, o brilho!

Então achei justo dividi-la com vocês...

Minha Cattleya Walkeriana, minha Walkerianazinha...

sábado, 15 de maio de 2010

Originais do Samba



...E se houver tristeza que seja bonita, pois tristeza feia o poeta não gosta...
(Candeia)


Hoje de manhã ao tomar meu habitual café, eis que na deliciosa Rádio Inconfidência, aqui de BH, a nossa Brasileiríssima, ouço o clássico de Candeia “Testamento de Partideiro”, na belíssima interpretação d’Os Originais do Samba, grupo de samba formado na Década de 1960 no Rio de Janeiro por ritmistas de escolas de samba.

O grupo ficou conhecido por seu ilustre integrante, o humorista Mussum, grande sambista!

Então resolvi dedicar este post a esse grupo importantíssimo na História da Música Popular Brasileira, com seu jeito único de fazer samba, sempre cantado em uníssono e com uma força percussiva primorosa. Fui “aplicada” ao som dos Originais nos idos de 1999, pelo maridão, músico e exímio entendendor de samba. Na época ele me trouxe uma fita cassete amarelinha de um disco maravilhoso dos originais do samba dos anos 70, que ouvi compulsivamente durante meses. Arte de altíssimo nível! Nessa fita cassete, que guardamos até hoje com carinho, pérolas como “Cadê Teresa”, “Na Subida do Morro”, “Do Lado Direito da Rua Direita”, “Lá vem salgueiro”, “Esperanças Perdidas”, “Assassinato do Camarão” e a já mencionada “Testamento de Partideiro”, dentre outros clássicos.


O grupo, de nome inicial "Os Sete Modernos do Samba", começou a se apresentar em teatros e shows, incluindo o palco do Copacabana Palace, onde realizou o espetáculo "O Teu Cabelo Não Nega". Fixaram-se em São Paulo depois de excursionar pelo México, e em 1968 acompanharam Elis Regina na música vencedora da I Bienal do Samba, Lapinha, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro. No ano seguinte gravaram a música "Cadê Teresa", de Jorge Ben, que fez grande sucesso. Participaram de festivais e ganharam discos de ouro pela vendas de suas gravações, principalmente nos anos 1970, combinando o canto uníssono, a roupa padronizada e boa dose de humor.


Um dos integrantes do grupo, Mussum, sairia para formar Os Trapalhões ao lado de Renato Aragão, Mauro Gonçalves e Dedé Santana. Excursionaram pela Europa e Estados Unidos, e foram o primeiro conjunto de samba a se apresentar no Olympia de Paris.

Alguns de seus maiores sucessos são Tá Chegando Fevereiro (Jorge Ben/ João Melo), Do Lado Direito da Rua Direita (Luiz Carlos/ Chiquinho), A Dona do Primeiro Andar, O Aniversário do Tarzan, Esperanças Perdidas (Adeilton Alves/ Délcio Carvalho), E Lá se Vão Meus Anéis (Eduardo Gudin/ P.C. Pinheiro), Tragédia no Fundo do Mar (Assassinato do Camarão) (Zeré/ Ibrahim), Se Papai Gira (Jorge Ben), Nego Véio Quando Morre.




Os Originais do Samba nos deixaram o legado da música feita com amor, lirismo e certa pitada de inocência, tradução autêntica da alma do povo brasileiro. Um exemplo a ser lembrado e seguido pela atual geração, muitas vezes tão inssossa, no modismo exacerbado do culto ao samba.



“O sambista não precisa ser membro da academia
Ao ser natural em sua poesia o povo lhe faz imortal...”

Candeia em "Testamento do Partideiro"

Conheça aqui os Originais do Samba:


Nós do Trio Curimã interpretando Originais do Samba:



quinta-feira, 13 de maio de 2010

Lá em casa...

Tenho "passeado" por recantos virtuais muito inspiradores aqui na blogosfera, que renovam minha paixão pelo belo. Então resolvi me arriscar e postar fotos de soluções minhas para a decoração aqui de casa. Contei com a preciosa ajuda da amiga e paisagista Grasiele Moreira(http://jardimdagrasi.blogspot.com) e sem ela realmente eu não conseguiria um resultado tão especial.


A seguir, alguns cantinhos...Por favor, desconsiderem a má qualidade das fotos, prometo procurar melhorar das próximas...


...Antes e depois...

...Antes e depois...



Detalhe do chão do lavabo...Agora quero fazer um espelho de mosaico preto e branco...

...E pra fechar, minha parede de Divinos...bom final de semana!!!

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Negro Spirituals: o berço do blues e do jazz

HOJE, quarta feira, 12 de maio, em Belo Horizonte, o Coro Madrigale se apresenta na Fundaçao de Educaçao Artística, às 20h, com um repertório especialíssimo: Negro Spirituals. Gente, esse repertório é muito bonito, de arrepiar, vale muito a pena!
A seguir um pouco da história dos Negro Spirituals, de onde nasceram o Blues e o Jazz...

Valendo-se da versatilidade dos cantores e facilidade do Madrigale em assimilar estilos diferentes da musica coral, o regente Arnon Savio Reis Oliveira preparou um concerto inteiro somente com composições de negro spirituals e selecionou obras dos principais compositores/arranjadores do gênero para presentear o publico com um panorama, se não completo, ao menos significativo do vasto repertorio que inspirou o Jazz, o Blues e o Gospel americanos. Mas a história dos negro spirituals vai além e se confunde com a história dos negros na América do Norte. Cantar para aliviar o sofrimento da alma, a dor do martírio, a opressão do cativeiro. Cantar para encurtar a distância da mãe África, a espera da liberdade, o caminho da alma para a paz de Deus. Sem flautas, cítaras, tambores, sem nada, porque na escravidão tudo lhes era proibido, só tinham a própria voz e a dos irmãos, de raça e de religião, para manterem dentro de si a chama da vida, da fé e da liberdade.
Com tantos motivos e anseios, o canto africano dos negros na América foi enriquecendo na exata proporção que seu povo escravo necessitava expiar o sofrimento. Contribuiu para o desenvolvimento daquele movimento, considerado hoje o primeiro gênero musical genuinamente americano, o encontro forçado com a cultura européia, o cristianismo protestante, e até a necessidade de se comunicar secretamente entre si para buscar a roubada liberdade. A herança africana, ficou fortemente representada nas primeiras composições e sobrevive como característica marcante dos negro spirituals mesmo contemporâneos, por meio da harmonia da escala pentatônica, a poliritimia e a maneira sui generis de se expressar vocalmente, com riqueza timbristica herdada dos antepassados tribais da África.
E são essas as características, segundo o maestro Arnon Sávio,que encantam e ao mesmo tempo desafiam coros do mundo inteiro, que se propõe a cantar os negro spirituals em seus concertos. Raramente se encontra um coro que não tenha em seu repertório um ou mais negro spirituals, geralmente virtuosísticos, para encerrar um concerto de maneira empolgante.Mas ao escolher cantar um concerto inteiro do gênero, cada uma dessas características tem que ser minuciosamente trabalhada, para tornarem-se coerentes com a intenção de seus compositores, que buscavam expressar através da musica a oração fervorosa de um povo, e suas súplicas pela prometida liberdade da alma.
Esse foi o desafio do Madrigale na preparação deste concerto, que vai apresentar obras de alguns dos mais renomados arranjadores de negros spirituals do século. Quem for à Fundaçao vai ouvir a interpretação do Madrigale de alguns negro spirituals tradicionais como Nobody knows, Ev´ry time I feel the spirit, Deep River, mas o destaque especial é para os arranjos mais modernos de Moses Hogan, alguns ainda desconhecidos do público coral belorizontino: Didn´t my Lord deliver Daniel, Elijah rock, The Battle of Jericho
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terça-feira, 11 de maio de 2010

Agreste Psicodélico

Foto: Fred Mesel


A trilha em busca das origens de Paêbirú, o disco maldito de Lula Côrtes e Zé Ramalho, hoje o vinil mais caro do Brasil

Por Cristiano Bastos

No dia 29 de dezembro de 1598, os soldados liderados pelo capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho de Carvalho, encalçavam índios potiguares quando, em meio à caatinga, nas fraldas da Serra da Copaoba (Planalto de Borborema), um imponente registro de ancestralidade pré-histórica se impôs à tropa. Às margens do leito seco do rio Araçoajipe, um enorme monólito revelava, aos estupefatos recrutas, estranhos desenhos esculpidos na rocha cristalina.

O painel rupestre se encontrava nas paredes internas de uma furna (formada pela sobreposição de três rochas), e exibia, em baixo-relevo, caracteres deixados por uma cultura há muito extinta. Os sinais agrupavam-se às representações de espirais, cruzes e círculos talhados, também, na plataforma inferior do abrigo rochoso.

Inquietado com a descoberta, Feliciano ordenou minuciosa medição, mandando copiar todos os caracteres. A ocorrência está descrita em Diálogos das Grandezas do Brasil, obra editada em 1618. O autor, Ambrósio Fernandes Brandão (para quem Feliciano Coelho confiou seu relato), interpretou os símbolos como "figurativos de coisas vindouras". Não se enganara. O padre francês Teodoro de Lucé descobriu, em 1678, no território paraibano, um segundo monólito, ao se dirigir em missão jesuítica para o arraial de Carnoió. Seus relatos foram registrados em Relação de uma Missão do rio São Francisco, escrito pelo frei Martinho de Nantes, em 1706.

Em 1974, quase 400 anos depois da descoberta do capitão-mor da Paraíba, os tais "símbolos de coisas vindouras" regressariam. Dessa vez, no formato e silhueta arredondada de um disco de vinil. A mais ambiciosa e fantástica incursão psicodélica da música brasileira - o LP Paêbirú: Caminho da Montanha do Sol, gravado de outubro a dezembro daquele ano por Lula Côrtes e Zé Ramalho, nos estúdios da gravadora recifense Rozemblit.

Contar a história do álbum, longe da amálgama das pessoas, vertentes sonoras e, especialmente, da chamada Pedra do Ingá que o inspirou, é impossível. Irônico é que o LP original de Paêbirú também tenha se convertido em "achado arqueológico", assim como a pedra, 33 anos depois de seu lançamento. As histórias sobre a produção do disco, como naufragou na enchente que submergiu Recife, em 1975 e, por fim, se salvara, são fascinantes.

A prensagem de Paêbirú foi única: 1.300 cópias. Mil delas, literalmente, foram por água abaixo. A calamidade levou junto a fita master do disco para que a tragédia ficasse quase completa. Milagrosamente a salvos ficaram somente 300 exemplares. Bem conservado, o vinil original de Paêbirú (o selo inglês Mr Bongo o relançou em vinil este ano) está atualmente avaliado em mais de R$ 4 mil. É o álbum mais caro da música brasileira. Desbanca, em parâmetros monetários (e sonoros: é discutível), o "inatingível" Roberto Carlos. O Rei amarga segundo lugar com Louco por Você, primeiro de sua carreira, avaliado na metade do preço do "excêntrico" Paêbirú.

A expedição no rastro dos mistérios e fábulas de Paêbirú se inicia em Olinda (Pernambuco). O artista plástico paraibano Raul Córdula me recebe em seu ateliêr. Na parede do sobrado histórico, uma cobra pictográfica serpenteia no quadro pintado por ele. A insígnia foi decalcada da mesma inscrição que, há milênios, permanece entalhada na Pedra do Ingá.

No mesmo ano de Louco por Você, 1961, o professor de geografia Leon Clerot apresentou o monumento a Córdula. O professor fizera o convite: "Me acompanhe, e verás algo que jamais se esquecerá". Uma década depois, 1972, Raul Córdula se tornou amigo de José Ramalho Neto, o jovem Zé Ramalho da Paraíba. Os conterrâneos se conheceram no bar Asa Branca, que Córdula tinha na capital, João Pessoa: "O único boteco que ficava aberto na Paraíba inteira depois das oito horas da noite, à base de 'mensalão' pago à polícia". O Zé Ramalho compositor, atesta, nascera no Asa Branca.

Córdula quis mostrar a Ramalho "algo que conhecera", e organizou uma ida ao município de Ingá do Bacamarte, localidade conhecida antigamente como Vila do Imperador, por causa da passagem de Dom Pedro II por lá. A localização de Ingá do Bacamarte é a 85 km de João Pessoa, caatinga litorânea, na zona de transição do Agreste para o Sertão. Para "fazer a viagem", Córdula também convidou o artista recifense Lula Côrtes - jovem homem que já vivera muitas aventuras. Mas aquela, proposta por Raul, ainda não.


Nenhuma surpresa foi para o guia o fato de Côrtes e Ramalho ficarem tão maravilhados com a rocha lavrada quanto os expedicionários do capitão-mor da Paraíba. A charada talhada na parede de pedra lançava-lhes o provocante desafio: como decifrariam tais arcanos - nunca compreendidos e tão majestosos - numa música que, se não codificasse, ao menos devesse tributar à remota ancestralidade brasileira? Fora essa a centelha que incendiara as idéias. Acampados na caatinga sertaneja, frente a frente com a Pedra do Ingá, Ramalho e Côrtes se decidiram pela produção de um "álbum conceitual".

O único jeito de conhecer lula Côrtes é ir visitá-lo no seu habitat: o ateliêr em Jaboatão dos Guararapes. "A Pátria Nasceu Aqui", divulga a enorme placa na divisa com a capital, Recife. O apartamento onde mora, pinta e compõe com a atual banda, Má Companhia, tem vista frontal para o Oceano Atlântico.
Pedra do Ingá: "Documento Milenar" escrito em hieróglifos hititas

É no primeiro apertar de mão que Côrtes deixa patente quem é: "espírito indômito". Solta a frase para se pensar: "O mar e eu somos uma coisa só desde menino". Aos 60 anos, sua voz é profunda e roufenha. A cabeça alva, um dia revestida de pretos cabelos mouriscos. E a magra, porém resistente, compleição física remete ao obstinado homem de O Velho e o Mar. Lula tem o velho de Ernst Hemingway, entretanto, como "altruísta demais". Mais impressionado ficou com o nietzscheniano capitão Lobo Harsen, de O Lobo do Mar, romance de Jack London. Os arquétipos marítimos de London, de fato, combinam mais com ele: "Nasci à beira do mar. Ele me despertou para o cumprimento das fantasias. Nele, um dia, cacei baleias", conta, jubiloso.


Zé Ramalho e Joan Baez em apresentação no Brasil, 1980.

É esse homem que segue narrando a mais homérica jornada de sua vida, até agora: a concepção do álbum Paêbirú. Guiados pelo parceiro mais velho, Raul Córdula, Zé Ramalho e Lula Côrtes, recém-amigos, logo de cara perceberam a fantástica mística que as inscrições da Pedra do Ingá exerciam sobre a população às cercanias do sítio arqueológico.

Foi por intermédio da arquiteta, hoje cineasta, Kátia Mesel, sua companheira na época, que Lula Côrtes veio a conhecer Zé Ramalho. Junto, o casal abriu o selo Abrakadabra, pioneiro na produção de música independente no Brasil. A "sede" do selo ficava nas dependências de um prédio pertencente ao pai de Kátia, que, nos tempos da escravatura, fora uma senzala de escravos.

Para se mergulhar na saga de produção que foi Paêbirú, é obrigatório antes se falar da simplicidade do instrumental Satwa - o álbum gerido, um ano antes, por Côrtes e o violonista Lailson de Holanda.

É o début do selo Abrakadabra. Lula faz a estréia fonográfica da sua cítara popular marroquina, o tricórdio, instrumento que trouxera da recente viagem ao Marrocos com Kátia. Em Satwa, o violão nordestino de 12 cordas de Lailson dialoga em perfeita legibilidade com o linguajar oriental do tricórdio de Lula. É, provavelmente, o encontro mais fino entre o folk e a psicodelia do qual se tem registro gravado na música brasileira.

Lula Côrtes na Pedra do Ingá

Lailson, premiado cartunista, traduz: "Satwa é expressão do sânscrito: quer dizer 'interface e equilíbrio'". Em 2005, a norte-americana gravadora Time-Lag Records reeditou Satwa, a partir da master original. Só o nome, na realidade, foi remodelado: Satwa World Edition. Como previsto, a edição esgotou como mágica.

Após Satwa, Lula tinha aprimorado suas concepções musicais. Achava-se apto para o grande projeto que andara tramando com o parceiro Zé Ramalho desde a visita à "pedra encantada". Não perderam tempo e investiram em sérias pesquisas nas imediações. Eles caçavam a interpretação local, folclórica, mitológica sobre o admirável monólito escrito.

Nas adjacências vivia um grupo de índios cariris. Os músicos foram até eles, atrás da peculiaridade do seu tipo de música. Ouvindo, descobriram que os traços de uma cultura africana tinham se fundido à sonoridade dos indígenas.

Se fundamentado em registros arqueológicos, Zé Ramalho e Lula Côrtes concordaram que, a partir daquele ponto, haveria um caminho, que partia de São Tomé das Letras (onde existem registros da mesma escrita rupestre traçada na Pedra do Ingá) e conduzia até Machu Picchu, no Peru. A trilha que os Cariris chamavam de "Peabirú".

Chegar à mística Pedra do Ingá, hoje em dia, é fácil. Seguindo pela BR 101, no trecho Recife - Paraíba, as condições de tráfego são admissíveis, mesmo sem via duplicada. Pela estrada federal, as pequenas localidades vão se cruzando: Abreu e Lima, Goiana, Itambé, Jupiranga, Itabaiana, Mojeiro. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Pedra do Ingá (Pedra Lavrada, ou Itaticoara) é um dos sítios arqueológicos mais soberbos do mundo. O arqueólogo Vanderley de Britto, da Sociedade Paraibana de Arqueologia, já aguarda, no local, minha chegada.

Segundo ele, as inscrições são originárias de sociedades pré-históricas, nativos anteriores aos encontrados no Brasil pelos europeus. "Certamente, essas gravuras" , diz, apontando o imenso painel de rocha, "são obra de sacerdotes ou pajés. Visavam ritos mágico-religiosos que visavam sortilégios para tribo", Brito explica, com sua proficiência.

Próximo à pedra, sem ter de tocá-la, o arqueólogo continua sua explanação: "As representações registram o canto mágico solfejado pelos sacerdotes nas cerimônias", prega. A pedra, na opinião do arqueólogo, seria, para os nativos, um "meio de comunicação" com os deuses (ou deusas) da natureza. A estimativa da ciência é a de que as gravações já estejam ali por volta de três a seis mil anos. "Datação exata não é possível, porque o monólito está em meio ao riacho", esclarece o professor. Vestígios, por ventura, deixados pelos gravadores, ao cinzelar a pedra, foram arrastados no trespassar das águas do ancião Araçoajipe.

Dinossauros, o arqueólogo também confirma, habitaram a região. A probabilidade - nada prosaica - de me banhar no regato que, num dia qualquer da pré-história um tiranossauro rex sorvera metros cúbicos de água, passa agora de jornalismo a uma aventura que, com prazer, obrigo-me pôr em prática.
O disco original hoje é raro, chegando a custar 4 mil reais.

A água é morna. A sensação, arrepiante. "Animais de grande porte, como a preguiça e o tatu-gigante, no período mezosóico, habitaram a região: mastodontes, cavalos nativos e outros mega-animais também circulavam por aqui", ele lembra. Submerso na tepidez do plácido regato pré-histórico, um túnel do tempo dentro de minha cabeça fazia a imaginação vagar por mundos arcaicos desaparecidos na vastidão temporal.

De frente para o mar, lula Côrtes gosta de acreditar na epopéia interplanetária narrada em "Trilha de Sumé", a abertura de Paêbirú. "As gravações na Pedra do Ingá foram feitas com raio laser mesmo", afiança o artista, que cantarola a introdução da música, o alinhamento dos planetas: "Mercúrio/Vênus/Terra/Marte/Júpiter/Saturno/Urano/Netuno e Plutão". Os versos seguintes cantam a saga de Sumé, "viajante lunar que desceu num raio laser e, com a barba vermelha, desenhou no peito a Pedra do Ingá".

A cada descoberta que faziam com suas explorações, Côrtes e Ramalho notavam, na variedade de lendas, que todas eram sobre Sumé - entidade mitológica que teria transmitido conhecimentos aos índios antes da chegada dos colonizadores. "Todos os indícios levavam a Sumé. Até as palmeiras da região, por lá, são chamadas de 'sumalenses'", observa Lula.

Para "libertar" os indígenas da crença pagã, os jesuítas pontificaram Sumé como "santidade": virou São Tomé. O que explica, no Nordeste, o fato de muitos lugarejos terem sido batizados de São Tomé. "Aqui é o lugar de São Tomé!", os padres costumavam anunciar, ao chegar numa região nova.

Na Paraíba, resta uma cidade chamada Sumé. "Seja lá quem tenha sido Sumé, o que mais se sabe, no entanto, é que muito andou por essas bandas", brinca Raul Córdula. A despeito da evangelização católica, a memória do Sumé indígena segue viva em todo o Nordeste.

A crença indígena diz que, quando o pacifista Sumé se foi embora, expulso pelos guerreiros tupinambás daquelas terras, deixou uma série de rastros talhados em pedras no meio do caminho. Os índios acreditam que Sumé teria ido de norte a sul, mata adentro, descerrando a milenar trilha "Peabirú" - em tupi-guarani, "O Caminho da Montanha do Sol".

O historiador Eduardo Bueno, que passou anos de sua vida "veraneando" na praia de Naufragados, no sul da ilha de Santa Catarina, conta que tomou conhecimento da trilha lendo a aventura de Aleixo Garcia, o qual, após um tempo vivendo naquela praia, fora informado da existência de uma "estrada indígena" que conduzia até o Peru.

Após muitos verões chuvosos contemplando o lugar de onde o bravo Garcia havia partido em sua jornada épica, Bueno decidiu acompanhá-lo - mas na mente: "Mergulhei em todas as fontes que traziam relatos de sua viagem. Ficção não era. Tais fontes, embora, eventualmente, contraditórias entre si, eram da melhor qualidade". O resumo mais interessante da história, diz, é o que define Peabirú como "um ramal da majestosa Trilha Inca, que ligava Cuzco a Quito e, por sua vez, outra corruptela - de 'Apé Biru'". Em tupi-guarani, Apé significa "caminho", ou "trilha", e Biru é o nome original do Peru. Portanto, Peabirú significaria "Caminho para o Peru".

Havia três inícios principais desse caminho: um, partindo de Cananéia (litoral sul de São Paulo) e, outro, da foz do rio Itapucu, nas proximidades da ilha de São Francisco do Sul (litoral norte de Santa Catarina). Um terceiro saia da Praça da Sé, em São Paulo, seguia pela rua Direita, dava na Praça da República, subia a Consolação, descia a Rebouças, cruzava o Rio Pinheiros e... chegava no Peru. "Fico pensando porque nos roubaram o prazer de desfrutar essa história no colégio", brinca Bueno. "Pensando bem, não foi esse o único prazer que nos roubaram, foi?"

Muitas vezes procurado, Zé Ramalho declarou que "não quer mais falar sobre o assunto Paêbirú" - para ele, encerrado. Em algumas entrevistas, no entanto, coteja Paêbirú à Tropicália. Um dos comentários é sobre o jeito artesanal, "como se costurado à mão", que o álbum foi feito.

Agendo uma "audição comentada" de Paêbirú no ateliêr de Lula Côrtes. Enquanto, pacientemente, pinta o quadro de um farol, vai me explicando como tornaram possível (e viável) a engenhosa gravação do disco. O álbum - duplo - é dividido em quatro lados, de acordo com os elementos Terra, Ar, Fogo e Água.

Em "Terra", o resultado "telúrico" foi conseguido com tambores, flautas em sol e dó, congas e sax alto. "Simulamos, com onomatopéias, 'aves do céu', 'pássaros em vôo' e adicionamos o berimbau, além do tricórdio", ele conta. Contrariando a prática dos "encartes vazios", a gama de instrumentos utilizados está descrita na ficha técnica de Paêbirú.

Efeitos de estúdio, nem pensar: "Só havia as pessoas, vozes e instrumentos", comenta o artista. Certos efeitos, como o rasgar da folha de um coqueiro, por exemplo, muitos pensaram serem eletrônicos.

No lado "Ar", além de "conversas", "risadas" e "suspiros", selecionaram-se harpas e violas sopros para músicas como "Harpa dos Hares", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto" e "Omm". Em "Água", as músicas têm fundo sonoro de água corrente. No mesmo lado, cantos africanos, louvações à Iemanjá e a outras entidades representativas do elemento. Na mais dançante, o baião lisérgico "Pedra Templo Animal", Lula Côrtes toca "trompas marinhas". Zé Ramalho pilota o okulelê.

"Fogo", como adverte o nome, é a faceta incendiária de Paêbirú. A mais roqueira também. Entram sons trovejantes: o wha-wha distorcido do tricórdio e a psicopatia do órgão Farfisa em "Nas Paredes da Pedra Encantada". "Raga dos Raios" conserva-se, mais de 30 anos depois, como a melhor peça de guitarra fuzz gravada no rock nacional: "Guitarreira elétrica & nervosa de Dom Tronxo", diz a ficha técnica. Onde andará Dom Tronxo?

O encarte sofisticado de Paêbirú é obra de Kátia Mesel. Além de designer, ela fez a produção executiva do álbum. "São mais de 20 pessoas tocando no disco - basicamente, toda a cena pernambucana e boa parte da paraibana", a cineasta enumera.

O disco só deu certo, na opinião de Kátia, porque foi feito com a alma e a criatividade soltas. "Num estúdio de dois canais, baby? Era o playback do playback do playback! A gente se consolava: 'Se os Stones gravaram na Jamaica em dois canais, por que a gente não?' Em 'Trilha de Sumé', Alceu Valença toca pente com papel celofane. [O disco] tem desses requintes", graceja.

Foi o zelo de Kátia, na realidade, que garantiu o salvamento de 300 cópias de Paêbirú da enchente de 1975. Ela guardara parte da tiragem na Casa de Beberibe, onde o casal morava - o ambiente em que muitas canções foram, gradualmente, tomando forma. "A sorte é que eu tinha deixado os discos no andar de cima. São esses que, atualmente, valem uma fortuna mundo afora", pontua Kátia.

Naquele tempo, Ramalho praticamente morava com o casal na Casa de Beberibe. A concepção gráfica do álbum foi obtida após muitas idas do trio à Pedra do Ingá. Na verdade, um quarteto, já que o irmão de Kátia, o fotógrafo Fred Mesel, seguia junto em algumas viagens. "Eu filmava em Super 8 e Fred tirava fotos da pedra com filme infravermelho", ela conta. A técnica fotográfica explica a tonalidade azul-cítrica da capa e da parte interior de Paêbirú.

Especial atenção foi dada à ficha técnica. No encarte central, fotos de todas as pessoas que participaram das gravações. Um detalhe é que todos os títulos foram montados à mão, um a um, em letra set. A diferença é que, a essa altura, Kátia era mais experiente: além de Satwa, também produzira a arte do único álbum de Marconi Notaro, No Sub Reino dos Metazoá-rios (1973). "Para lançar Paêbirú, criamos o selo Solar", acrescenta.

As substâncias psicodélicas, obviamente, foram muito importantes durante o processo de composição. Para Lula Côrtes, no entanto, só de estar perto da Pedra do Ingá, é possível sentir o xamanismo emanando do monumento rochoso: "Comíamos cogumelos mais como 'licença poé-tica mental'", justifica o artista.

Crosby, Stills and Nash, T-Rex, Captain Beefheart, Grand Funk Railroad e The Byrds eram as bandas mais ouvidas pelo grupo na época. Em meados da década de 1970, a maquiagem do glitter rock já estava borrada e, nos Estados Unidos, a semente punk aflorava nos buracos sujos de Nova York. A disco music ensaiava os primeiros passos de dança. Psicodelia, no mundo, era coisa ultrapassada: encapsulara-se nos remotos anos 60.

Zé da Flauta tinha 18 anos quando conheceu Lula e Kátia. No auge da repressão, a Casa de Beberibe era o templo da liberdade e da contracultura. "Aprendi muito sobre arte. Lá se conversava sobre tudo, inclusive se fumava muita maconha", confirma Zé. Ele tocou sax na vigorosa "Nas Paredes da Pedra Encantada". "Jamais me esquecerei, aliás: foi a primeira vez que entrei num estúdio e gravei profissionalmente como músico."

Outro que teve "participação relâmpago" foi o paraibano Hugo Leão, o Huguinho. Ele vinha das bandas The Gentlemen e os Quatro Loucos, nas quais Zé Ramalho tocava guitarra. Ramalho o chamou para participar como tecladista do "ousado projeto". Sua atuação ficou imortalizada no disco. São dele os riffs de órgão Farfisa em "Nas Paredes..."

Para assumir a bateria, Ramalho recrutou Carmelo Guedes, outro parceiro seu nos Gentlemen. A mágica, lembra Huguinho, começou logo que entraram no estúdio. As bases foram criadas na hora, como num susto: "Cravei um tom maior: Mi! O sonho começara. Os segredos da Pedra do Ingá, finalmente, pareciam que seriam desvendados. A guinada sonora ainda ecoa pelo espaço", acredita.

Em minha jornada, sigo para a capital paraibana. Em João Pessoa, Telma Ramalho, a prima mais jovem de Zé Ramalho, diz não esquecer uma passagem da pré-adolescência: a mãe, Teresinha de Jesus Ramalho Pordeus, professora de História, conversava com o sobrinho em seu escritório: "Zé contava a ela como se desenrolavam as gravações de Paêbirú".Uma lembrança viva é ter ouvido o disco aos 12 anos: "Não entendi nada. Só lembro de 'Pedra Templo Animal' e 'Trilha de Sumé', as mais pop", diverte-se.

Outra memória é ter apresentado uma réplica da Pedra do Ingá na feira de ciências do colégio. A trilha sonora foi Paêbirú. "Levei a vitrolinha e botei para rodar." Telma faz a contundente revelação: "Tive caixas de Paêbirú em casa. Uma verdadeira fortuna cultural e financeira".

Para Cristhian Ramalho, filho de Zé Ramalho e afilhado de Lula Côrtes, Paêbirú também tem significação especial: "Meu pai me levava à Pedra do Ingá quando criança. Ele ia para achar inspiração". Sem dúvida, diz Cristhian, Paêbirú e a Pedra ainda exercem influência sobre a sua obra. "Em 1975, ele escreveu uma poesia muito bonita, que diz: 'Venho de uma dessas pedras rolantes'. Houve, por parte dele, grande misticismo envolvido na minha chegada", conta, orgulhoso, o filho.

Uma das pessoas que, na época do lançamento, compraram o álbum foi a arquiteta Terêsa Pimentel. Aos 14 anos, em 1974, ela não sabia ao certo o que procurava na sua vida. Apesar disso, sabia "o que não queria". "Ouvíamos os locais: Ave Sangria, Marconi Notaro, Flaviola & O Bando do Sol, Aristides Guimarães, o 'udigrudi' nordestino. Vendi minha bicicleta Caloi verde-água para comprar Paêbirú. Hoje, sou feliz por ter vendido a bicicleta e ter adolescido naquela atmosfera", conta. Terêsa é irmã do músico Lenine, ao qual Lula Côrtes presenteou com sua última cópia de Paêbirú, há alguns anos. "Para tirar uns samplers", diz Lula.

De Jaboatão dos Guararapes, eu e Lula seguimos para a casa de Alceu Valença, no centro histórico de Olinda. Lula bate à porta do casarão. Festa quando Valença cruza o amplo saguão para saudar Lula, velho parceiro em Molhado de Suor, um dos seus primeiros discos.

"A gente tocou em 'Danado para Catende', que depois virou 'Trem de Catende'", Alceu conta. "Até então Lula só compunha, mas não cantava. Fiz a cabeça do pessoal da Ariola: 'O cara é o máximo!' Na gravadora, ninguém tinha a menor idéia de quem era o cara, muito menos que fizera algo como Paêbirú."

Souberam, no entanto, quando o álbum Gosto Novo da Vida, de Lula Côrtes, foi premiado como "a melhor venda do ano da gravadora Ariola", em 1981. Em três meses, vendeu 32 mil cópias. Depois, teve sua reedição emperrada por causa de um processo movido pela Rozemblit, que alegava plágio em uma música.

"Foi o primeiro artista que vi fumar no palco, no Teatro João Alcântara", diz Alceu.

Ambos riem. Lula acende um cigarro.

"Participei de Paêbirú. Dei uns gritos lá", resume Alceu.

"Foi na reza de 'Não Existe Molhado Igual ao Pranto'", Lula emenda.

"O estúdio da Rozemblit tinha acústica maravilhosa. Era o ambiente mais natural possível: cheguei e fui me deitando num canto. A banda tocava. Sonolento, me espreguicei: 'Ommmmmmmm...'."

"Foi como num mantra. Quando Alceu começou, todo mundo veio atrás e não parou mais", conclui Lula.

É nessa tradição do "livre espírito" que Paêbirú foi realizado. No texto homônimo - uma raridade datilografada só encontrada no interior dos LPs sobreviventes da cheia e escrito depois da ingestão de cogumelos colhidos no meio do caminho -, Lula Côrtes nos dá uma última idéia da grande aventura que foi Paêbirú: "Nós caçávamos o passado, e os corações se encheram de esperança com aquela visão. O caminho que havíamos abandonado mais atrás era o das Pedra de Fogo, outro pequeno aglomerado quase sem nenhuma chance de vida. A água é muito escassa. Conversávamos sobre as pedras. E ao longo, no horizonte, o lombo prateado da Borborema desenha curvas leves, demonstrativas de sua imensa idade. Os nativos tinham mapas nos rostos, o sol lhes rachou os lábios como racha a terra, as pedras duras e afiadas que dificultavam a caminhada lhes endureceu o riso. A informação parecia estar correta. Achamos o regato e acompanhamos o sentido. A água era clara e bastante salgada. A irrealidade se apossava cada vez mais dos nossos corpos e mentes, e toda a lenda que nos havia enchido os ouvidos, até aquele dia, parecia florar de tudo."

Fonte: Revista Rolling Stones edição 24


domingo, 9 de maio de 2010

Feliz Dia das Mães!


Hoje é meu primeiro Dia das Mães"...Ufa!
Como me sinto importante assim...
Parabéns a todas as mulheres/mães maravilhosas desse mundão!
Serei mãe de uma mulher, a Isabel!
À benção...
Segue uma crônica bacana retirada do site
http://www.jardimdeideias.com.br/



A mãe de todas as mães


Não, não é um concurso para eleger a mulher que deu à luz mais filhos, nem a mais desvelada, nem sequer a genitora perfeita. Hoje preciso e quero venerar aquela de cujo útero surgiu à própria vida: A PACHAMAMA.

Os aymarás, os quéchuas e outros povos das regiões andinas do Equador, Peru, Bolívia e noroeste da Argentina, acreditam que esta divindade, que os protege e gera toda forma de vida, é a Pachamama. Ela, e só ela, promove a fertilidade e a fecundidade da terra, verdadeiro inicio de tudo aquilo que palpita neste planeta.

As nações primitivas atribuíam a suas deusas o milagre de engendrar a existência das coisas e dos seres vivos. Os astecas batizaram a Mãe-Terra de Teteoinnan, dela nasceram todos os deuses, inclusive Xochiquetzal (flor bela), uma Mãe-Terra jovem que regia o amor e a gravidez e que era representada no meio de flores, no México Central. Na religião Puebla, entre os índios do sudeste norte-americano, os Kachinas eram seres divinos que atendiam as súplicas dos necessitados e a Mãe-Terra era relevante, porque dela dependia a sobrevivência desse povo. Bem longe, na Polinésia, a Mãe-Terra é invocada pelo nome de Papa; ela junto a Rangi o Pai-do-Ceu, dá origem à raça humana.

Pachamama (Pacha = universo, tempo, mundo, lugar e Mama = mãe) fecunda o barro que irá transformar se em alimento; os fieis ao se culto praticam o “challaco”, challar significa dar de comer e beber a terra; isso é feito na primeira sexta feira de cada mês, quando cozinham a tijtincha, uma comida especial, que é dada com chicha, para alimentar um olho d’água. Acredita se que ela, que é a deidade máxima desses povos, irá desse modo retribuir seus filhos com fartura.

Domingo celebramos o dia das mães. Minha homenagem é feita a essa Mãe-Terra esquecida e maltratada pelos milhões de filhos que surgiram de seu ventre. Espero que nos, mulheres e homens civilizados, possamos buscar inspiração naquelas culturas primárias, que nunca se esqueceram dela. Quem sabe, algum dia, se comemore sua data retribuindo com um pouco do amor tudo o que ela nos tem dado.
Raul Cânovas