quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Bruxo



Nasce um novo Hermeto!


30 de Abril de 2004 - Hermeto Paschoal encontrou vida nova em Curitiba, onde se radicou, deixando São Paulo, por conta do amor por sua mulher Aline, sua discípula na arte musical e que - vangloria-se - o faz transbordar, aos 67 anos, de alegria e esperança. O músico continua o criador de sempre. Em junho, apresenta nova sinfonia, executada ao ar livre, "junto com os passarinhos", pela Orquestra Sinfônica de Manaus. Na próxima segunda-feira, volta a Londres para tocar com a Big Bend no Cheltenham International Jazz Festival. Hermeto vive um momento especial de produção intelectual.
Hermeto é o futuro, os sons, os ritmos e a espontaneidade. Com sua música peculiar, natural, verdadeira, que nasce de suas raízes nordestinas e brasileiras, dos rios e passarinhos, ganha os corações e mentes de um público cada vez mais internacional.
O alagoano de Lagoa da Canoa, que nasceu agricultor, traz o erudito para o popular. Põe em prática a descoberta dos sons e ritmos que nos cercam, inclusive no dia a dia e as experiências que são desenvolvidas nas melhores academias de música contemporânea.

Um iluminado, como se os deuses lhe tivessem dado o poder de transitar entre a musicalidade da natureza e do homem. Criou uma nova linguagem, resultante destes dois mundos. A música tradicional, também, se transforma em suas composições e absorve a ansiedade daqueles que prevêem o futuro da música universal.
A alegria e disposição de Hermeto, que o fez trocar São Paulo por Curitiba, é a cantora lírica gaúcha Aline Paula Nilson, nome artístico de Aline Morena. "Hoje estou na minha terceira adolescência. Estava indo tocar nos Estados Unidos, quando apareceu Aline. Ela tem a cabeça igual a minha. Já compus diversas músicas de viola caipira, especialmente para ela", disse Hermeto Paschoal.
Os dois se conheceram em um show em Londrina, no Paraná, e nunca mais se separaram. Aline, gaúcha de Erechim, estudava a obra de Hermeto no Conservatório Musical de Curitiba. "Eu tinha ido ao encontro da música, na verdade encontrei mais do que a música: meu amor e a música juntos", disse Aline. Ela hoje participa dos shows no Brasil e no exterior.
Hermeto Paschoal, volta a tocar com a Big Bend - banda de 25 músicos formada apenas de saxofone e trompete - no dia 3 de maio, no "Cheltenham International Jazz Festival" da capital inglesa. Depois, a banda toca no "Norfolk and Norwich Festival 2004", em dois outros espetáculos. As maiores expectativas do músico são dois workshops na "Royal Academy of Music in London".

Na última vez que andou por lá, um jornal de Londres publicou matéria sobre o seu espetáculo com o seguinte título: "Hermeto Paschoal - o show da década". O músico pergunta: "Se fosse um jogo de tênis, com um brasileiro, estaria em todas as páginas dos jornais daqui. Agora, eu não vou procurar jornalistas para dizer o que estou fazendo", disse.

Hermeto começou sua carreira com 15 anos tocando sanfona, mas é nos anos 60, no grupo "Quarteto Novo", composto por Heraldo do Monte, Airton Moreira e Theo de Barros, e mais Geraldo Vandré, que ele consolida uma carreira, que hoje reúne uma obra com mais de 4 mil composições. Em 1973, lança seu primeiro disco - "Música Livre de Hermeto Paschoal". Nesta fase, que se estende por 10 anos, Hermeto sofre de dores terríveis no estômago e fígado, conseqüência de uma esquistossomose não diagnosticada.
Em 1977, grava seu segundo trabalho - "Slave Mass" - já nos Estados Unidos, uma vez que no Brasil não permitiam usar animais em estúdio, indispensável no disco. Em Los Angeles, pode gravar "Slave Mass" com dois porcos: um produzia o som do agudo e outro do grave.

Em Nova York, conhece o grande trompetista americano Miles Davis. Embora não fale inglês, Hermeto travou, mesmo assim, grandes embates teóricos com Davis, tendo Aírton Moreira como tradutor. "Davis, modéstia à parte, teria que aprender um pouco mais para chegar onde eu estava", disse Paschoal. Hoje, o Brasil é o País de maior musicalidade do mundo e "o Jazz dos Estados Unidos está pedindo penico", brinca o músico.

A seguir, o papo de Hermeto com o caderno "Fim de Semana":

Gazeta Mercantil - Você trouxe para a prática a música erudita contemporânea, que é a experiência com os sons e ritmos.

Hermeto Paschoal - Creio que sim. Quando aprendi teoria, a minha cabeça já estava pronta. Conheço a teoria, mas tudo que faço é intuitivo. Não premedito. Aprendi teoria musical depois dos 40 anos. Hoje, escrevo para qualquer tipo de sinfônica, como a peça de uma hora de música para a Orquestra Sinfônica do Amazônas. O primeiro movimento da sinfonia eu abri com os violinos - que são como passarinhos - uma vez que será tocado às 6 horas da manhã, em um espaço aberto, junto à natureza. A sinfonia será um diálogo com a natureza, com os passarinhos e outros animais.

Gazeta Mercantil - E a música brasileira, como anda?

Individualmente há grandes músicos. Uma meninada nova tocando bem. Tem mais quantidade e qualidade do que antigamente. Só que, o desejo de ficar rico, faz muitos deles tocar música brega e começam ganhando mais do que eu.

Gazeta Mercantil - Qual sua relação com o dinheiro?

Se eu pudesse matar o dinheiro me tornaria um criminoso. É o câncer do mundo.

Gazeta Mercantil - Como você administrou seus problemas de saúde?

Eu tinha esquistossomose (infeção no intestino e no fígado) e no Brasil não havia cura. Quando fui aos Estados Unidos em 1974, conheci Miles Davis, que me ajudou a curar a doença. Quando tocava na boate Stardust, em São Paulo, achavam que eu tinha problema no duodeno e a vesícula preguiçosa. Em Nova York, descobriram que, na verdade, era esquistossomose e lá tinha cura. Fiquei 10 anos com a doença. Às vezes, a dor era tão forte que precisava tomar morfina. A Ilsa, minha ex-esposa que está lá no céu, é que ia buscar a morfina, porque precisava de receita médica.

Gazeta Mercantil - A doença atrapalhou sua produção musical?

Às vezes, quando estava tocando órgão no Stardust tinha, que sair no meio do show para ir ao pronto-socorro. Foram dez anos em que produzi mais do que agora, em meio ao sofrimento da doença. A raiva pode ajudar quando você tem a convicção de que vai conseguir o que almeja.

Gazeta Mercantil - Nesta época, você fez o primeiro disco - "Música Livre de Hermeto Paschoal".

Sim, e o disco seguinte, "Slave Mass", foi gravado nos Estados Unidos, uma vez que era proibido levar animais aos estúdios daqui. Um fazendeiro do Texas levou seus suínos à gravadora. Airton Moreira ficou no estúdio com os animais, e eu na técnica para dizer qual dos porcos ele deveria mexer: "Airton mexe no grave. Agora, no agudo".

Gazeta Mercantil - E como foi a sua relação com o trompetista Miles Davis?

Profissional e muito espiritual. Eu notava que os músicos de lá não se relacionavam muito com ele, por inveja, por ser considerado o maior trompetista americano. O Aírton e a Flora Purim trabalhavam para Davis, fazendo arranjos. Davis pediu a Aírton para me levar à casa dele. Aírton ficou preocupado por eu não falar inglês. Eu disse, Aírton não se preocupe: ele (Davis) sabe que nossa conversa é espiritual, que é pau a pau no campo musical. Ele, modéstia à parte, teria que aprender um pouco mais para chegar onde eu estava. Quando cheguei na casa dele, me perguntou: você tem ouvido absoluto? É que quando toco trompete, toco em si bemol, e nas nossas escolas aqui, ensinam para ficar com a nota na cabeça para sempre lembrar. Eu disse que não precisava que tocasse a nota. Apenas indique a nota que deseja sem que eu precise ouvir nada. Ele olhou para o Aírton e disse: isso não pode. Aí eu dei o si bemol. E disse a ele: vê se sobe devagar a escada, se não você vai tocar desafinado lá em cima. Aí, me batizou de Albino Louco.

Gazeta Mercantil - E como vem essa sua intuição musical?

Teoria não é música. Música não se aprende, você se alfabetiza musicalmente. Se for para a escola sem tocar nenhum instrumento você é um robô. Qualquer cara sem dom musical pode tocar música por teoria. Em Porto Alegre, quase me mataram, por dizer que a sinfônica não tinha mais que dez músicos de verdade. Fiz milhares de composições, mas só tenho umas 100 músicas gravadas. "Bebê" (hoje um clássico da música universal que foi gravado em 1973), é bem tocado.
Gazeta Mercantil - E o chorinho?
Eu tocava muito chorinho. Agora o chorinho está como o bem-te-vi, muito judiado.
Gazeta Mercantil - Como você vê o apoio oficial à música ?
Deveria ser criado o Ministério da Música para cuidar de todos os aspectos que envolvem o trabalho musical. O Gil (Gilberto Gil, ministro da Cultura), pela inteligência, poderia fazer muita coisa, mas pelo que conheço do Gil ele vai mandar axé para o mundo inteiro. E não tá com nada o axé. O Gil é um talento, mas se fosse escolher alguém para ministro da Música, seria Arthur da Távola, valorizando a música regional. A Rede Globo, por exemplo, procurou nivelar o País musicalmente. É um desastre para o País. A Globo faz o que quer, uma música de consumo e cheia de rótulos. Graças a Deus, os jovens não estão aceitando.
Gazeta Mercantil - Você sente um pouco de abandono oficial em relação ao seu trabalho?

Não, não. Se não tiverem cuidado, eu vou abandonar muita coisa. Estou feliz. Eu não queria estar em um lugar cheio de coisas em volta. Agora, eu vejo gente querendo fazer um show em teatros do governo, onde cobram R$ 5 mil para um espetáculo. Isso é uma injustiça, pois estamos no País mais musical do mundo.

Gazeta Mercantil - Os Estados Unidos não são mais evoluídos na música?
Os Estados Unidos já tiveram sua fase boa, mas já era. O jazz está pedindo penico lá desde 70. Eles passaram a importar gente de outros lugares do mundo. Agora está acontecendo o seguinte: eu sou musicalmente, um cidadão do mundo. Eu estive lá. O cara que me copiar, eu reclamo. Eu sou um pintor da música. Não quero que ninguém mexa nos meus quadros. Quero que se influenciem com eles e mostrem que são criativos. Não fico feliz em ver alguém me imitando. Gosto que as pessoas sintam meu trabalho e tenham o seu.

Gazeta Mercantil - Qual a sua visão do Brasil, para aonde estamos indo?

Hoje está todo mundo duro e sumido, mas as pessoas estudam mais, a cultura melhorou. Fico admirado quando vejo uma maioria de jovens no auditório. Vou para o Japão tocar para 10 mil pessoas, a maioria jovens. É a música do Brasil, lá fora, fazendo a cabeça dos jovens. Quando fui tocar na Bélgica me disseram: olha, o pessoal aqui é muito frio e vai pouca gente. Eu disse: olha, estou com 250 volts e lá estavam mais de 1,2 mil pessoas. Em Berlim, compus - em duas semanas - uma sinfonia falando da tristeza do povo Alemão, que foi um sucesso de público. Quero inovar cada vez mais, para não ser visto como músico do passado. É como se as pessoas das gerações futuras dissessem: "Que pena que não vivi aquela época." Creio que por uma ou duas gerações há uma trabalho feito e eu posso viajar para o céu amanhã.

(Ivanir José Bortot e Guego Favetti - músico paranaense)




Princípios da Música Universal criada por Hermeto Pascoal





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